terça-feira, 30 de agosto de 2016


Era um café 
 
Faz tempo que te chamo pra tomar um café
Como quem não quer nada
Quer só um café
Acompanhado de muita coisa ao mesmo tempo
Alguém que quer perguntar
-            Ficou bom? Tá quentinho? Do jeito que você gostaria se gostasse de café?
Ou simplesmente comemorar o fato de que faz uns meses que, segui teu conselho e mudei meus hábitos:
-            Viu que já tomo café sem nadinha de açúcar?
Mas você não gosta de café, e toda vez que te chamo para tomar café você não vem. Ou diz que vem e me deixa esperando.
E quando raramente vem, fica de pé e toma chá, encostado na pia, com a pressa de quem trabalha na emergência de um hospital e precisa dirigir uma ambulância.
Nem se percebe.
Não percebe as flores na mesa.
Não percebe o sol entrando.
Não percebe que deixei a cortina aberta de um jeito estratégico, pra sombra dos dois vasos na janela parecerem um casal gigante na parede, como a gente é. Ou eu penso que é.
Não percebe o silêncio na rua.
Não percebe o ronco do nosso filho que vem do quarto. E que pode estar sonhando, como a gente.
Não percebe minha tentativa de sorriso.
Não percebe que prendi os cabelos.
Não percebe que passei perfume.
Não percebe que o café é orgânico (porque eu deixei a embalagem na mesa pra você perguntar e talvez sentar para ouvir).
Não percebe que o dia pode ser dividido, algumas vezes. E que isso tem importância para mim.
E eu percebo que mais uma vez a minha tentativa foi em vão.
E um simples café que poderia ter virado um dia marcante, virou pó.
Um simples café que poderia ter dado um laço nas nossas mãos, logo cedo, me dasatou.
E que um simples café que poderia ser lembrado, para toda a vida, eu quis esquecer.
...
E sobre hoje a tarde, cheguei em casa.
E sobre a mesa, duas xícaras.
E sobre mim, amargura.
E sobre nós eu não sei.
Mas sei que você tomou café com alguém que, com certeza, te quer menos do que eu.
Mas que tem o teu açúcar.
E eu aqui, achando bom tomar café sem nada.


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