quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Quem me exige falar
pra dentro aqui fica de fora

fora ira
fora intolerância
fora machismo
fora misoginia
fora racismo
fora homofobia
fora descuido com as minorias
fora sua arrogância
fora sua ironia
fora seu sarcasmo
fora da minha casa
fora da minha vida
fora do meu mundo
fora um ser -humano? - que deseja que seu povo não saiba ler e escrever
fora você que não liga pra tudo isso
fora sua aversão ao diálogo
fora seu monólogo
fora seu nariz empinado
fora tanta coisa
fora o nojo que você me causa
fora minha ânsia
fora seu deboche
fora seu desprezo pelos artistas
fora sua predileção por mulheres submissas
fora sua gargalhada quando alguém chora
fora sua insensibilidade
fora, porque você me envergonha
fora sua tentativa de estar certo
fora seu olhar que desvia do óbvio
fora sua camisa da CBF
fora o tempo que você perde falando o que não sabe
fora sua burrice
fora o que você fala sem saber
fora o muro que você não sai de cima
fora sua atitude hostil
fora seu grito de guerra violento
fora xingamentos
fora fora fora fora fora fora
fora, um milhão de vezes fora
fora seu olhar que não enxerga o preto
fora sua mão fechada, que não divide
fora sua mão que soca
fora polícia militar
fora o soco que a polícia dá pra te representar
fora o que você pensa sobre mim sem me perguntar
fora o chute que você dá em cachorro morto
fora sua mesa posta com alguém do lado esperando pra te servir
fora você comemorar como quem vence a copa
o buraco é bem mais embaixo e você vai cair nele
fora sua predileção pela ignorância
fora sua cegueira
fora sua falta de ética
fora injustiça
fora barbárie
fora sua ditadura
fora seu militarismo
fora sua cegueira
fora seu abuso de poder
fora seu pensamento esvaziado
fora
for
fo
f
.
FORA
FORA
FORA


terça-feira, 30 de agosto de 2016


Pra Moça
 Promessa

    Premissa

Pressa

,     Premissa

Promessa


A fragilidade não está no que nos falta, mas no que gostaríamos de ter.

Malditas Mocinhas


Minha mãe é de uma família de mulheres, cinco “marias”. Maria Lucia, Ruth Maria, Etelvina Maria (homenagem a uma tia muito generosa, justifica o nome e com muito esforço, a falta de generosidade da minha avó em batizá-la com esse nome), Maria Beatriz e Maria Heloisa ou simplesmente Lulucha, Ruthinha, Teleca, Bibi e Helô. Virgem Maria, quanta mulher! Podia-se usar qualquer perfume, mas a casa sempre tinha cheiro de puro estrogênio nº 5. Imaginem, minha avó ficou viúva bem cedo e essa legião feminina cresceu junta comandada por uma única e grande mulher. E imagine por quantos apuros a minha avó passou para enfrentar a primeira menstruação das filhas que começou lá atrás, em 1945. “Mãe, tem algo estranho e quente acontecendo aqui dentro de mim”, “Mãe, acho que me cortei dormindo ou estou morrendo, a cama está toda suja de sangue...”, “Mãaaaaaaaaaaaaae!!!!!!”, “Mãe, como é que vocês falam mesmo? Ah, virei Mocinha!”, “Xi mãe, já posso engravidar...”. A cada ano, uma surpresa. Uma com 10, outra com 11, a caçula com 12 e as duas mais velhas com 15! E eu cresci escutando todas essas histórias e rindo de todas elas, achando que comigo seria diferente. Que para mim oras, uma menina avançada e completamente íntima de tantas primeiras menstruações, seria muito natural e nada inusitado a, “quê”, “ah?”, - opa-o-que-que-é-isso-des-cen-do-pe-lo-meio-das-MI-NHAS-PER-NAAAAAS? Mas como assim? Eu acabei de dar o meu primeiro beijo de língua! E nem foi tão bom assim. Ei pseu-corpo de mocinha, pode ir parando que eu ainda nem tenho peitos! Como vou deixar alguém passar a mão em algo que mal existe? Apesar de que, acho bem pior liberar o peito do que a bunda, afinal, bunda não tem sexo, todo mundo tem. POR CIMA DA ROUPA, QUE FIQUE BEM CLARO! Eu ainda me sinto uma criança. Só tenho um sutiã. Não sei como usa isso.Sempre tive medo daquilo grudar em mim. Ai que dor! Quem nem soco no bico do peito e chute no saco. “Mãe, mãe... vem aqui”. Porque, porque no dia da primeira menstruação sempre tem alguma coisa acontecendo na casa da gente, sempre tem visita, sempre é natal, sempre é aniversário de alguém? ... resumindo: nunca dá pra chamar a mãe aos berros. Eu pelo menos nunca soube disso nessa geração. “Mãe, por favor, vem aqui.”, “MÃE, MÃ-Í-Ê”. Toc, toc, toc. “Senha, por favor”. O que parecia o fim do mundo num dia onde todos da minha escola estavam se preparando para bailinho no salão da casa de uns amigos para ela era a glória! Era como se a bonequinha dela passasse de Fofolete ao estágio Susie. “Virou mocinha!”, Gente! A Angela virou mocinha! E agora, como eu ia sair dali? Por favor, me espere aí fora até a menopausa, quando já não tiver mais nenhum convidado nessa maldita sala esperando para me dar sei lá o quê. Parabéns? Por favor, não sejam ridículos, me desejem pêsames. Como eu vou vestir a minha calça de couro preto cintura alta com essa... com esse, com isso? Com essa fralda geriátrica no meio das pernas?! Enfim, ergui como uma heroína meu nariz adunco, que ficava entre uma testa grande e uma boca muito pequena acomodados em um rosto que na época eu achava pouco harmônico e cheio de espinhas. Abri a porta e saí, saí muito diferente do que entrei naquele banheiro. Tinha enfim encontrado a filha adolescente da loira do banheiro, a assustadora e inesperada “mocinha do banheiro”. Passei pelo meio dos convidados como uma Afrodite. E quase na porta meu irmão num ímpeto de ciúmes indagou: “hey, onde você pensa que vai menina”? Por favor gente, do que ele me chamou mesmo? Menina, é isso? Céus, alguém avisa para este garotinho inocente que agora ele está falando com uma legítima mocinha?

Era um café 
 
Faz tempo que te chamo pra tomar um café
Como quem não quer nada
Quer só um café
Acompanhado de muita coisa ao mesmo tempo
Alguém que quer perguntar
-            Ficou bom? Tá quentinho? Do jeito que você gostaria se gostasse de café?
Ou simplesmente comemorar o fato de que faz uns meses que, segui teu conselho e mudei meus hábitos:
-            Viu que já tomo café sem nadinha de açúcar?
Mas você não gosta de café, e toda vez que te chamo para tomar café você não vem. Ou diz que vem e me deixa esperando.
E quando raramente vem, fica de pé e toma chá, encostado na pia, com a pressa de quem trabalha na emergência de um hospital e precisa dirigir uma ambulância.
Nem se percebe.
Não percebe as flores na mesa.
Não percebe o sol entrando.
Não percebe que deixei a cortina aberta de um jeito estratégico, pra sombra dos dois vasos na janela parecerem um casal gigante na parede, como a gente é. Ou eu penso que é.
Não percebe o silêncio na rua.
Não percebe o ronco do nosso filho que vem do quarto. E que pode estar sonhando, como a gente.
Não percebe minha tentativa de sorriso.
Não percebe que prendi os cabelos.
Não percebe que passei perfume.
Não percebe que o café é orgânico (porque eu deixei a embalagem na mesa pra você perguntar e talvez sentar para ouvir).
Não percebe que o dia pode ser dividido, algumas vezes. E que isso tem importância para mim.
E eu percebo que mais uma vez a minha tentativa foi em vão.
E um simples café que poderia ter virado um dia marcante, virou pó.
Um simples café que poderia ter dado um laço nas nossas mãos, logo cedo, me dasatou.
E que um simples café que poderia ser lembrado, para toda a vida, eu quis esquecer.
...
E sobre hoje a tarde, cheguei em casa.
E sobre a mesa, duas xícaras.
E sobre mim, amargura.
E sobre nós eu não sei.
Mas sei que você tomou café com alguém que, com certeza, te quer menos do que eu.
Mas que tem o teu açúcar.
E eu aqui, achando bom tomar café sem nada.


M A R    A D E N T R O

tem choro que não sai
transborda avesso
alaga o coração
arrasta o sentimento
arranca as raízes
das nossas árvores
tão bem cuidadas
que já fizeram tanta sombra
onde vimos nascer
o fruto mais lindo
água violenta
que nos enche de pranto
e afoga os sonhos
que por tanto tempo
flutuaram entre nós

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

- desses dias em que os olhos parecem o mar, água vai e volta -

terça-feira, 16 de agosto de 2016

O NOSSO VESTIDO

O NOSSO VESTIDO 

Sonhei contigo. 
A gente ia viajar de trem. 
Estávamos atrasados. 
Você estava no banheiro da estação, queria me fazer uma surpresa. 
Me pediu que fosse na frente e retirasse as passagens. 
Enquanto estava na fila, senti teu cheiro. 
Olhei para trás, era você, dentro do meu vestido. 
De calça jeans e ele por cima, como um longo casaco florido. 
A barba mal feita e os olhos perfeitamente bem concebidos. 
Com aquelas molduras impecáveis. 
Das surpresas que mais amei, essa. 
O melhor buquê que já recebi até hoje. 
E fomos então, para algum lugar escolhido com alegria, pelos dois. 
Dividindo o mesmo phone de ouvido.
Para que com os outros ouvidos, pudéssemos nos ouvir.
Nem que fosse somente a respiração.
Só não dizia as coisas que estavam escritas na sua testa.

Seguidores