sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma Lembrança

Exatamente em 1980. Isso. 1980.
Era uma pequena escola de balé perto do meu condomínio.
Chamava Teka... Teka Sallet, com dois "eles".
Uma daquelas escolas cheias de meninas com nome importante.
Filhas das filhas das filhas de alguém.
Capitais menores estão cheias dessas gentes chamadas pelo sobrenome.
Eu até tinha um, mas não tinha a devida postura que eles carregavam, sabe?
E desde o princípio eu tinha certeza de que balé não tinha nascido para mim e muito menos eu para ele.
Eu tinha movimentos truncados. Meus pensamentos eram assim.
Eu ouvia aquelas músicas e ficava imaginando como seria se combinássemos aqueles compassos com cabelos soltos, encaracolados, pés descalços e roupas bem coloridas. Aí eu parava no meio da aula e visitava um lugar tão incrível que era impossível de disfarçar.
Eu sempre era pega de surpresa dançando nos meus pesamentos. Olhando para os meus pés dentro daquelas sapatilhas apertadas enquanto meia dúzia de narizes apontavam para o teto. Para uma ilha em forma de ventilador velho que vez ou outra nos divertia na iminência de cair. Coisas velhas. Ballet velho. Sobrenomes velhos. Ventilador velho. E eu, tão nova, já tão enferrujada ali.
Ei, eu tenho movimentos amplos. Sentimentos amplos. Mas longe de mim encostar testa no joelho.
Nariz no chão. Mas aqueles narizes pontudos conseguiam encostar no chão mesmo euquanto apontavam para o teto.
E o mais incrível: elas conseguiam rir de mim enquanto faziam tudo isso.
Nossa, "que flexibilidade", eu constatava. Que extensão. Que contenção. Que coração o meu que naquela altura ainda estava aguentando todos aqueles olhares. Respirações apolíneas e reprovadoras. E eu, para completar a coreografia desengonçada, ainda tinha desvio de septo, nem respirar direito eu conseguia. Sufôco.
Eu só tinha vontade de fugir dali, mas minha avó precisava de uma explicação, afinal, eu estava rompendo com uma tradição de bailarinas.
Cheguei assim... meio sem jeito. Disse a ela que Pierre Beauchamps não tinha gostado muito de mim. Ela me olhou profundamente e disse:
eu tenho certeza de que você se sairá melhor com o jazz.
Bom, eu sempre ouvi que não deveria desrespeitar os mais velhos, mas, mesmo tendo nascido em 1489, eu não podia me curvar ao ballet. Exigia muito alongamento.

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